Cultivando a Masculinidade Heroica
Parte 1 - Por que tantos homens são psicologicamente infantis?
"Um homem não pode sair da mesma forma que entrou... um homem tem de somar alguma coisa!"
— Arthur Miller, Morte de um Vendedor
Em nossa série anterior sobre Carl Jung e o homem-criança, analisamos por que o fenômeno do "homem-criança" é tão predominante em nossos dias. Argumentamos que, devido ao fim da família tradicional e à ausência de ritos de iniciação, muitos meninos não têm modelos masculinos que lhes mostrem o caminho para a masculinidade e, por isso, estão chegando à idade adulta presos ao que os autores Robert Moore e Douglas Gillette chamaram de "psicologia de menino".
Nesta série, forneceremos um guia sobre como superar a psicologia de menino e alcançar a masculinidade. Para isso, vamos nos afastar da cultura ocidental contemporânea, que é dominada por ideias que consideram a masculinidade tóxica, e abordar o tema da masculinidade de um ponto de vista antropológico. Com base no livro clássico de David Gilmore, "Manhood in the Making", examinaremos o que diferentes culturas do mundo inteiro pensam a respeito da pergunta "o que significa ser homem?". O objetivo desse ensaio será isolar os traços, as virtudes e as atitudes essenciais à masculinidade, criando assim um "mapa da masculinidade" que podemos usar para superar nossa psicologia de menino e obter os benefícios que, em todas as culturas, são prerrogativas do homem potente.
"Na atual crise da masculinidade, não precisamos, como algumas feministas estão dizendo, de menos poder masculino. Precisamos de mais. Mas precisamos de mais do masculino maduro. Precisamos de mais psicologia masculina. Precisamos desenvolver um senso de calma em relação ao poder masculino para que não tenhamos que agir de forma dominadora e desempoderadora em relação aos outros."
— Robert Moore e Douglas Gillette, Rei, Guerreiro, Mágico, Amante
Para começar, precisamos diferenciar entre masculinidade biológica e masculinidade social. Praticamente todas as culturas do mundo reconhecem que um homem é um macho biológico em virtude de ter nascido com órgãos reprodutivos masculinos. A masculinidade, por outro lado, não é definida apenas pela presença de características físicas; ela deve ser alcançada. A tribo aborígine Fox, de Iowa, chama a conquista da masculinidade de "o Grande Impossível", que somente os poucos mestres podem alcançar. Ao contrário do sexo biológico, a masculinidade não é um dado adquirido, mas um prêmio a ser conquistado. Como escreveu o autor americano do século XX Norman Mailer:
"Ninguém nasce homem; você conquista a masculinidade desde que seja bom o suficiente, ousado o suficiente."
— Norman Mailer
Ou, como explica David Gilmore:
"...Há uma ideia recorrente de que a verdadeira masculinidade é diferente da masculinidade anatômica. Segundo essa visão, a masculinidade não é uma condição natural que surge automaticamente com a maturação biológica. Em vez disso, é um estado frágil ou artificial que os meninos precisam conquistar, enfrentando grandes desafios. Essa percepção de que a masculinidade é algo problemático é comum tanto entre caçadores e pescadores simples quanto entre camponeses e pessoas urbanas sofisticadas, sendo encontrada em todos os continentes e ambientes."
— David Gilmore, Manhood in the Making
Para entender por que é quase universalmente aceito que homens de verdade são criados, e não nascidos, precisamos investigar o que é considerado culturalmente a maior ameaça à masculinidade: a regressão psicológica.
Em contraste com outros animais que emergem neste mundo com um certo grau de autonomia, o primeiro ano de vida de um ser humano é passado em um estado prolongado de dependência da mãe. Assim como o feto está fisicamente contido na mãe antes do nascimento, no primeiro ano de vida pode-se dizer que o bebê está psicologicamente contido "na" mãe. Do ponto de vista do bebê, a mãe aparece simbolicamente como a Grande Mãe - ela é o mundo da criança e a provedora de amor, segurança, calor, proteção e o seio que nutre tudo.
Após o primeiro ano de vida, a criança entra no estágio que Margaret Mahler chamou de "separação-individuação". A crescente consciência do bebê de si mesmo como separado da mãe, juntamente com o aumento da mobilidade física, marca o estágio em que se espera que a criança desenvolva sua autonomia e identidade própria. Embora tanto as meninas quanto os meninos passem pelas dores do crescimento associadas a esse estágio de desenvolvimento, essa é uma fase que pode ser especialmente difícil para os meninos. Pois, enquanto a imersão psicológica anterior da menina na mãe serve para promover sua identidade feminina, o menino, para alcançar uma identidade masculina, precisa rescindir sua identificação com a mãe e o mundo feminino para entrar no mundo dos homens.
"O desafio especial que o menino enfrenta nesse momento é superar o senso anterior de unidade com a mãe para alcançar uma identidade independente definida como masculina pela sua cultura. Segundo essa teoria, a menina não enfrenta esse problema de forma tão intensa porque sua feminilidade é reforçada pela unidade simbiótica original com a mãe e pela identificação com ela, que precede a formação de sua própria identidade e culmina na maternidade. Na maioria das sociedades, o senso de independência do menino deve incluir a percepção de si mesmo como diferente e separado da mãe, tanto em termos de identidade do ego quanto de papel social. Portanto, para o menino, a tarefa de separação e individuação envolve um fardo e um perigo adicionais."
— David Gilmore, Manhood in the Making
Ao longo da história, os ritos de iniciação têm ajudado os meninos no processo de separação-individuação. Por meio de provações e testes supervisionados por anciãos do sexo masculino, o menino "morre" e "renasce" como homem.
"A feminilidade se desenvolve naturalmente, enquanto a masculinidade precisa ser alcançada; e é aqui que o culto ritual masculino entra em ação."
— Gilbert Herdt, Rituals of Manhood
No entanto, no Ocidente moderno, são poucos e raros os modelos masculinos adequados capazes de iniciar um menino na masculinidade. Muitos homens estão chegando à idade adulta sem ter saído do útero psicológico da mãe. Como resultado de não terem sido ensinados a abraçar a luta, a se tornarem autossuficientes e a se envolverem no empreendimento incessante que, culturalmente, se espera do homem potente, muitos homens estão sendo consumidos pela letargia, pelo desejo de fugir da realidade e escapar do perigo buscando consolo ao lado da mãe. Eles estão sucumbindo ao que Thomas Gregor, em seu estudo sobre a tribo Mehinaku do Brasil, chamou de desejo de:
"...tomar o caminho de volta para a fusão com a mãe e os prazeres da infância."
— Thomas Gregor, The Mehinaku: O drama da vida cotidiana em uma aldeia indígena brasileira
Ou, em outras palavras, são consumidos pelo que Carl Jung chamou de:
"...o espírito da regressão, que nos ameaça com a escravidão à mãe e com a dissolução e extinção no inconsciente."
— Carl Jung, Symbols of Transformation
Ao sucumbirmos ao espírito da regressão, adotamos estilos de vida contrários à masculinidade. Um desses estilos de vida, sobre o qual Jung alertou repetidamente, é o que, em termos mitológicos, é chamado de casamento incestuoso com a mãe, por meio do qual a pessoa permanece no útero psicológico da mãe até a velhice.
"Se essa situação for dramatizada, você verá no palco psicológico um homem vivendo de forma regressiva, buscando sua infância e sua mãe, enquanto foge de um mundo frio e cruel que não o compreende. Muitas vezes, ao lado dele, aparece uma mãe que aparentemente não se preocupa com o fato de seu filho se tornar um homem. Em vez disso, ela se dedica incansavelmente e de forma autossacrificante a impedir qualquer coisa que possa ajudá-lo a crescer e se casar. Você percebe a conspiração secreta entre mãe e filho, onde ambos colaboram para trair a vida."
— Carl Jung, Aion: Researches into the Phenomenology of the Self
Outros consumidos pelo espírito da regressão podem se libertar do útero psicológico da mãe apenas para adotar o estilo de vida de Peer Gynt, que o psicólogo Rollo May chamou de "o mito dos homens no século XX".
"Peer Gynt é o mito, ou seja, o padrão de vida de um homem caracterizado por dois desejos... Um desejo é ser admirado pelas mulheres, e o outro desejo é ser cuidado por essas mesmas mulheres. O primeiro desejo leva ao comportamento machista: um fanfarrão, ele se vangloria e é grandioso. Mas todo esse aparente poder está a serviço de agradar a mulher, a rainha figurativa, para que o segundo desejo seja satisfeito... esses dois desejos são contraditórios. A mulher é quem detém o julgamento final e, consequentemente, o poder sobre ele. Por mais que ele pareça ser o mestre arrogante com suas várias mulheres, na realidade ele é um escravo a serviço da rainha. Sua autoestima e sua autoimagem dependem do sorriso e da aprovação dela."
— Rollo May, The Cry for Myth
O espírito da regressão também pode levar à adoção de estilos de vida prejudiciais não centrados na dependência psicológica de uma mulher. Como Erich Neumann argumenta em seu livro O Medo do Feminino, o cansaço do mundo, a doença neurótica ou a aceitação plácida do lugar-comum na tentativa de evitar a luta podem significar que o espírito da regressão está ativo em nossa mente.
"Regressões desse tipo... dão origem não apenas a neuroses de ansiedade e fobias típicas, mas também, e principalmente, a vícios e, se o ego for amplamente destruído, a psicoses."
— Erich Neumann, O Medo do Feminino
Para nos libertarmos do espírito da regressão e nos aproximarmos da masculinidade, precisamos cultivar uma atitude heroica. Essa atitude foi expressa em inúmeros mitos, sendo um dos mais notáveis o conto germânico de Tannhauser e Vênus. Nesse mito, o cavaleiro Tannhauser é abordado pela bela deusa Vênus, que pede que ele se junte a ela na montanha Venusberg, onde ela promete que todos os seus desejos serão satisfeitos por ela e suas assistentes, as náiades e as sereias. Tannhauser aceita sua oferta e permanece nesse mundo feminino paradisíaco por um ano, mas logo se cansa e é tomado por um intenso conflito moral. Ele deve permanecer em Venusberg, onde todos os seus desejos e vontades de prazer são realizados?
Ou ele deve renunciar a essa vida passiva e dependente e, mais uma vez, abraçar uma luta significativa no mundo? Após uma deliberação agonizante, Tannhauser decide deixar Venusberg.
"Preciso retornar ao mundo dos homens. Estou preparado para a batalha, até mesmo para a morte e o nada."
— Tannhauser
Ao comentar sobre esse mito, David Gilmore escreve:
"O cavaleiro dominou a mais primitiva das exigências do princípio do prazer - a tentação de se afogar nos braços de uma mulher onipotente, de se retirar para um casulo pueril de prazer e segurança."
— David Gilmore, Manhood in the Making
No próximo ensaio desta série, examinaremos mais detalhadamente o que a atitude heroica implica e como podemos cultivá-la para escapar da regressão psicológica. Ao explorar como as culturas de todo o mundo concebem a masculinidade, construiremos um "mapa da masculinidade heroica" que podemos usar em nossa busca para amadurecer além dos limites da psicologia dos meninos. Ao fazermos isso, também aprenderemos por que a afirmação de que a masculinidade é tóxica não é apenas equivocada, mas também perigosa. A masculinidade não é uma ferramenta de opressão. É uma construção cultural que visa promover o desenvolvimento psicológico dos meninos para que se tornem homens capazes de apoiar a segurança e a prosperidade de uma sociedade.
Quando os ideais de masculinidade se perdem ou são distorcidos, a sociedade se torna propensa à dissolução pelas mãos de ameaças internas e externas. Como diz o ditado frequentemente citado de Michael Hopf: "Homens fracos criam tempos difíceis."
Ou como David Gilmore resume:
“Espera-se que os homens ‘de verdade’ domem a natureza para recriar e fortalecer as unidades básicas de parentesco de sua sociedade; isto é, reinventar e perpetuar a ordem social pela vontade, criar algo de valor a partir do nada. A masculinidade é um tipo de procriação masculina; sua qualidade heroica reside em sua autodireção e disciplina, sua absoluta autoconfiança - em uma palavra, sua autonomia agencial."
— David Gilmore, Manhood in the Making
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