A Escola de Frankfurt: A perspectiva de Erich Fromm sobre o amor
Erich Fromm foi um acadêmico que fugiu da Alemanha durante a ascensão do fascismo ao poder. Essa experiência lhe proporcionou uma perspectiva completamente nova sobre o amor.
A Escola de Frankfurt teve o luxo e o infeliz privilégio de existir em uma época única. Durante o período entre guerras (1918-1939), no auge do fascismo em ascensão, um grupo de acadêmicos e estudiosos se reuniu na Alemanha com um objetivo semelhante: fornecer pesquisa social e alcançar maior compreensão. Esses são os objetivos da filosofia em poucas palavras. Erich Fromm fazia parte desse grupo.
Erich Fromm e a Escola de Frankfurt: A vida de um dissidente
Um dos principais estudiosos da Escola de Frankfurt foi Erich Fromm, um intelectual que, diante do ódio e ao ser rotulado como dissidente político, optou por estudar o oposto do que ele via como o principal problema enfrentado por toda a humanidade: ódio, segregação e divisão. Ele escolheu estudar o amor.
“O amor não é algo natural. Ao contrário, requer disciplina, concentração, paciência, fé e a superação do narcisismo. Não é um sentimento, é uma prática.”
— Erich Fromm, A Arte de Amar, 1956
É necessário certa perspectiva para entender a busca e o interesse de Fromm pelo amor. Erich Fromm cresceu e obteve seu Ph.D. na Universidade de Heidelberg, na Alemanha, em 1922. Ele escreveu sua dissertação final, “Sobre a Lei Judaica”, em homenagem a seus pais e raízes judaicas.
Se você conhece a história, sabe que essa época entre guerras é um dos piores exemplos de perseguição da história registrada. Erich Fromm lidou com esse ódio durante os 20 anos seguintes de sua vida, e suas experiências são essenciais para a premissa fundamental de sua obra intitulada A Arte de Amar, publicada em 1956.
Erich Fromm foi forçado a fugir da Alemanha durante a ascensão do fascismo na década de 1930. Ele foi primeiro para Genebra e, por fim, encontrou residência na Universidade de Columbia, em Nova York.
Durante esse período, Fromm começou a se perguntar o que havia de errado com a humanidade.
O problema fundamental da humanidade, de acordo com o que Fromm aprendeu com seus colegas da Escola de Frankfurt, é a divisão. Mais importante ainda, como criaturas conscientes e racionais, percebemos que somos fundamentalmente separados. Como resultado, enfrentamos uma profunda solidão existencial, que está por trás de muitos dos problemas da humanidade nos tempos atuais.
Procurando por amor em todos os lugares errados
Essa solidão existencial que afeta a humanidade vem de nossa capacidade de julgar e de estar ciente de nossas próprias ações. Nossa busca por uma tribo ou um grupo geralmente nos leva a excluir aqueles que não pertencem a essa tribo. Em alguns casos, a tribo à qual queremos pertencer nos exclui, ou talvez estejamos dentro da tribo, mas não sentimos a inclusão que achávamos que encontraríamos nela.
No entanto, Fromm percebeu algo inesperado enquanto trabalhava no problema que a humanidade enfrentava. Todos já estavam buscando o amor. As pessoas estavam obcecadas com essa ideia. Livros sobre o amor estavam sendo retirados das prateleiras de todas as livrarias. Os clubes de solteiros estavam se popularizando rapidamente e os anúncios românticos enchiam os jornais.
Então, o que estava errado? Por que as pessoas não estavam encontrando o amor necessário para combater esse sentimento de separação? Esse sentimento criou a divisão que destruiu a nação de Fromm. Da mesma forma que Fromm percebeu que o fogo não pode combater o fogo, ele percebeu que os sentimentos não podiam deter os sentimentos. Fromm concluiu que o amor tinha que ser um tipo de prática.
A diferença entre o amor maduro e o imaturo
“O amor imaturo diz: 'Eu amo você porque preciso de você'. O amor maduro diz: 'Eu preciso de você porque o amo'.”
— Erich Fromm
O que Erich Fromm quer dizer com amor imaturo é quando o amor é gerado a partir de um ponto de narcisismo. A faceta mais narcisista desse tipo de amor é um relacionamento transacional. Isso é exemplificado pela transformação da pessoa amada e do próprio relacionamento em uma mercadoria.
Nosso entendimento contemporâneo do amor e de como o encontramos se enquadra nessa categoria, conforme ilustrado pelo uso de aplicativos de namoro que limitam especificamente o número de correspondências que você pode ter ou de perfis que você pode ver com base no nível de renda e em outros filtros. Fromm veria essa mercantilização como uma institucionalização do amor imaturo, um caminho que certamente leva a solidão existencial a novos extremos.
Muitos de nós já participamos de um relacionamento baseado no amor imaturo. Somos negligenciados por nossos pais, negligenciamos nossos parceiros, somos movidos pelo narcisismo. Como os colegas de Fromm da Escola de Frankfurt notaram, quase todas as nossas experiências com o amor terminam em fracasso.
A Escola de Frankfurt: Liberdade positiva e liberdade negativa
As respostas para esses problemas com amor e solidão são encontradas na Escola de Frankfurt e na outra grande obra de Erich Fromm, Medo da Liberdade (1941). Nessa obra, Fromm descreve um problema que ainda podemos ver na sociedade contemporânea: a individualização. Essa individualização que ocorre leva a sociedade de volta ao problema do amor e da separação. Nossa solidão existencial nos leva a tomar decisões que removem temporariamente essa solidão existencial. Nós nos esforçamos para nos livrar da solidão, mesmo que seja apenas por um tempo.
A liberdade negativa, de acordo com Erich Fromm, é a “liberdade de”. Esse tipo de liberdade vem aumentando gradualmente na sociedade desde a época das tribos de caçadores-coletores, onde a humanidade começou. Ela representa a remoção de coisas que podem nos controlar totalmente: liberdade da fome, liberdade de doenças evitáveis. Esses tipos de coisas que nossa sociedade nos proporcionou são todas liberdades negativas.
A liberdade positiva, por outro lado, é uma espécie de “liberdade para”. Por exemplo, temos a oportunidade de escolher o que queremos fazer. Se tivermos “liberdade para”, então não estaremos restritos a uma vida de necessidades; não estaremos limitados a uma casta na qual podemos nascer. Temos uma quantidade razoável de bens para sobreviver – comida, água, abrigo e outras coisas básicas que precisamos ter. Tendo coberto nossas necessidades básicas, a sociedade agora oferece oportunidades quase infinitas para as pessoas em uma sociedade que tem liberdades positivas. No entanto, ainda temos um problema.
De que mais precisamos além da liberdade positiva?
Aqueles que encontram essa “liberdade para” diante de si podem ter uma reação negativa à oportunidade. Podem ver essa oportunidade e liberdade e desejar um modo de vida mais rígido, uma vida em que a escolha é limitada antecipadamente em vez do peso das infinitas possibilidades que podem escolher por si mesmas. Fromm acreditava que essas pessoas são sadomasoquistas.
Os sadomasoquistas desejam que haja uma ordem ou hierarquia que limite o acesso à liberdade positiva; eles se sentem mais confortáveis quando há uma ordem e uma hierarquia na sociedade. Ao concordar com essa posição, eles se submetem à hierarquia e às restrições da vida. Esse é o masoquista que há neles. O sádico neles é a parte que usa sua posição nessa hierarquia para controlar os que estão abaixo deles, com menos “liberdade para”.
Aqui, é fácil ver a correlação entre a filosofia que Erich Fromm desenvolveu e a vida que ele viveu na Alemanha. Ver seu país se autodestruir com princípios autoritários e as pessoas se submeterem voluntariamente e usarem o poder da sociedade hierárquica para sentirem menos solidão existencial foi chocante para todos os estudiosos da Escola de Frankfurt.
Vendo o problema antes do tempo
Essa submissão à hierarquia social é fácil de ver em retrospecto, mas na época em que Fromm estava vivendo era muito mais difícil. Erich Fromm apresentou essa ideia de que as pessoas se afastam da liberdade e se inclinam para princípios autoritários no final da década de 1920. O argumento original da Escola de Frankfurt era que, se 15% da população fosse inflexivelmente democrática e apenas 10% da população fosse inflexivelmente autoritária, o país estaria bem, pois haveria 75% de pessoas no centro que se inclinariam a favor dos princípios democráticos. Essa era mais ou menos a imagem do cenário na Alemanha durante o período entre guerras.
Erich Fromm argumentou que, se as pessoas da sociedade que fazem parte dos 75% - o partido neutro e majoritário - tivessem um mal-entendido fundamental sobre Amor e Liberdade, o que de fato ocorria, então os 75% estariam mais propensos a cair no autoritarismo. Isso ocorre porque o autoritarismo o empurra para um grupo ou, pelo menos, para um papel de grupo. Fazer parte de um grupo é sempre melhor do que a solidão que se enfrenta quando se está sozinho, a menos que você se sinta confortável com a solidão.
A solução: Os quatro aspectos do amor
Erich Fromm acreditava que a solução para esse comportamento na sociedade e para nossa solidão existencial, que o causa, é a mesma coisa: é amar efetivamente. Surpreendentemente, a ideia de Fromm para essa solução começou de forma irônica: o amor deve começar com o conforto da solidão. Estar confortável com a solidão significa estar confortável consigo mesmo. Esse é um sinal de força pessoal, de acordo com os pensadores da Escola de Frankfurt.
“O amor ao próximo e o amor a nós mesmos não são alternativas. Pelo contrário, uma atitude de amor em relação a si mesmo será encontrada em todos aqueles que são capazes de amar os outros. O amor, em princípio, é indivisível no que diz respeito à conexão entre os objetos e o próprio eu.”
— Erich Fromm
Esse conforto com a solidão e conosco nos ajuda a ver que todos estão lutando com as mesmas coisas. Toda raça, sexo, gênero e todas as pessoas vivem em uma sociedade. Todos na sociedade lutam contra a solidão e para encontrar um lugar onde se encaixar. Perceber essa verdade é o primeiro passo para o amor verdadeiro. Quando temos humildade, podemos evitar o egoísmo que assola a maioria dos relacionamentos, românticos ou não. Devemos evitar a mercantilização de nós mesmos e da outra pessoa, vendo que ela não precisa se justificar e provar seu valor para acabar com sua solidão. Isso porque a sua solidão é parte de você e a solidão da outra pessoa é parte dela. Esse é o primeiro e mais importante aspecto do amor.
Os próximos dois aspectos do amor que são necessários para mudar nossa compreensão andam de mãos dadas: são a coragem e a fé. A coragem é, de longe, o aspecto mais difícil de ser alcançado. É muito provável que você e todos nós façamos parte do grupo neutro da sociedade que simplesmente não deseja ser afetado pelos princípios ideológicos dos extremos da sociedade. Se você tentar mudar sua compreensão do amor e começar a ver as pessoas como elas são, começará a dar amor desinteressadamente a todos que encontrar. Ninguém precisa se justificar para você e isso cria uma atmosfera de sinceridade, e sinceridade é amor. Mais importante ainda, é aí que entra o aspecto da fé. Qualquer pessoa que distribui amor a todos que encontra não mercantiliza seus companheiros da sociedade e confia que esse entendimento se espalhará e beneficiará todos que o entenderem e participarem dele.
No entanto, esse entendimento e essa prática inevitavelmente sofrerão reações adversas. As pessoas lutarão contra isso porque é assustador. Nossa sociedade, e a sociedade da qual a Escola de Frankfurt fazia parte na década de 1930, institucionalizou a mercantilização das pessoas dentro de si mesmas. Lutar contra essa institucionalização requer a coragem de continuar mesmo quando se enfrenta um ódio extremo, como Erich Fromm fez quando foi rotulado como dissidente político e forçado a fugir de seu país.
O quarto aspecto do amor é a diligência, e esse é o aspecto que mantém o amor e muda a vida do indivíduo, bem como a sociedade em que ele vive.
“A capacidade de amar exige um estado de intensidade, consciência e vitalidade aprimorada. O que só pode ser o resultado de uma orientação produtiva e ativa em muitas outras esferas da vida.”
— Erich Fromm
Erich Fromm: O amor em nossa era moderna
Muitas das descrições usadas por Fromm e pela Escola de Frankfurt têm paralelos com nossa sociedade atual. Estamos nos sentindo cada vez mais solitários em um mundo que está cada vez mais interconectado. Estamos vendo as vidas uns dos outros de maneiras que são inerentemente mercantilizadas. Usamos ferramentas que custam dinheiro para nos ajudar a nos tornarmos mais atraentes e aderimos a uma mentalidade de “moagem” que nos diz que as coisas são ativos ou passivos, definindo todos ao nosso redor pelo que eles podem nos oferecer e como podemos usá-los. Essa mentalidade cria um sistema hierárquico de valores que aplicamos às pessoas e resulta em grupos cada vez maiores de pessoas que sofrem de solidão existencial.
A chave é fugir dessa mentalidade, tratando o amor não como um sentimento e uma mercadoria, mas como uma arte. Perseguir uma arte requer coragem para continuar, humildade para entender que você está apenas começando nessa prática e fé de que, se praticar com diligência, você se tornará um mestre no ofício. Tornar-se um mestre na arte do amor fará com que o fato de estar apaixonado valha ainda mais a pena.
Belo texto <3
Bom tê-lo de volta amigo escritor!!!!
A comunidade estava sentindo falta da sua escrita.